quarta-feira, 18 de junho de 2008

O grande dia

Ela estava a mais de meia hora encarando as pedrinhas do vestido no espelho. Eram 395 ou 397 pedrinhas. Talvez ela contasse mais uma vez para confirmar...
Estava impressionada na quantidade de pedrinhas que alguém havia costurado naquele pano. Um trabalho imenso que deveria fazer aquele vestido muito especial.
Olhou-se nos olhos. Não era ela. Não era ela naquele vestido, com aquela maquiagem e com aquele penteado. Nunca faria nada naquilo.
Tirou os sapatos e sentou no chão, cruzando as pernas sob o vestido. Olhou em volta.
Ela estava sozinha em um dos quartos da casa, milhões de coisas estavam espalhadas pelo chão, pedaços de papel seda, sacos plásticos, três enfeites de cabelo, uma bandeja com uma comida intacta... Teria comido se não estivesse há 2 meses comendo sem parar e sem ter fome.
Alguém bateu na porta.
- Querida, precisa de ajuda?
Ela deitou-se no chão, amassando o penteado que havia demorado duas horas para ficar pronto. Permaneceu em silêncio.
- Querida, tudo bem?
- Estou terminando, mãe.
- Se precisar de ajuda...
Mas ela parou de escutar o que a voz dizia do outro lado da porta.
Tirou alguns grampos do cabelo que estavam repuxando. Sentou-se de novo, agora uma mexa encaracolada caia-lhe sobre os olhos.
Respirou fundo e levantou.
A janela do quarto, que dava para os fundos da casa era pequena demais para passar com aquele vestido, pensou. Tirou mais alguns grampos e o enfeite. De repente, estava se achando mais bonita.
Alguém bateu na porta.
- Olha, a gente vai sair em 5 minutos, ok?
Ela não respondeu e a pessoa não disse mais nada.
Brincou com o vidro de demaquilante em cima da mesa. Olhou-se mais um vez nos olhos.
Derrubou um pouco de demaquilante na barra do vestido gentilmente e começou a esfragá-lo no rosto.
Olhou o vestido, agora com uma mancha preta e azul na barra. Seu rosto também era uma mancha preta e azul.
Sento-se novamente no chão e começou a arrancar as pedrinhas do busto, contando-as em voz alta.
Por volta do 98 alguém virou a maçaneta da porta e perguntou "vamos?".
Ela levantou o dedo indicador e disse "Já estou terminando. 102, 103, 104, 105...", arrancando uma a uma as pedrinhas brilhantes...

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